terça-feira, 16 de abril de 2013

Te vicio


Fica mais um pouco, que tá bom! Deixa que a gente pega o ônibus das três, sempre tem um jeito de ir pra casa. E não te preocupa, que tem um colchão sobrando em casa; você dorme na cama e eu durmo nele. Liga pra casa e avisa que vai dormir na casa de uma amiga. Não dorme? que bom, eu também não. A gente conta história e ri um pouco até amanhecer, daí a gente dorme - ou não. Te faço café e te mando pra casa. Vem cá, tem uma coisa que é a tua cara, quero te mostrar! Deita aqui mais perto, que tá calor e o ventilador não pega em nós duas! Opa, desculpa ter te tocado desse jeito, é que o espaço de uma cama de solteiro é pra caber um só. Não é mesmo muito engraçado isso? Te falei que 'cê ia gostar! Olha, não se incomoda com meu colo exposto. Não te incomoda em querer repousar sobre ele também. E não esquenta com o tempo correndo, nem esquenta se tiver vontade de ficar mas não quiser, porque vai que eu te faço querer...



"Pode me algemar, porque eu não quero me perder. Pode me prender, me obrigue a ficar, pode me dopar! Põe algo pra gente ouvir pra me distrair, não quero lembrar!
Pode me trancar!" Phill Veras, Vício.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Quando te leio ouvir de outras cores, não sei fazer senão prender o ar no peito e imaginar junto contigo, sentir junto contigo as coisas que você sentiu, e imaginar as dores e felicidades mais doidas e belas. Quando te leio, e finjo que sou você, só por saber que só assim vou estar mais perto, com você muito por dentro de quem eu sou.

Te leio e imagino ver os olhos que não consigo ler de perto.

Importa muito te ler.

Use e saia pra agitar


Acorda no quarto, que tem o chão no teto de tanta bagunça. A cabeça doendo e girando, cheia da noite passada e de coisas que provavelmente só merecem ser lembradas para que sejam sorridas com poucas pessoas. Tudo tem cheiro de cigarro, e a boca traz um gosto amargo que provavelmente é o mesmo gosto que seu estômago vazio tem. Apesar de toda essa desordem, todas as partes do corpo estão intocadas e escondidas embaixo do lençol branco. E apesar de todas as risadas, todas as partes de dentro encontram-se cinzas. E apesar de toda juventude que aparecia em seus cabelos ruivos e lábios vermelhos, estava velha.
A velha levanta-se com esforço, ouvindo o corpo inteiro ranger e reclamar a cada movimento, e conhecendo algum lugar do espaço sideral através da grandíssima vertigem que acabara de experimentar. Sem olhar para o espelho do banheiro, escova os dentes de olhos fechados, lava o rosto em frangalhos, volta para a cama, de onde só irá sair de novo quando anoitecer e for necessário retocar seu batom – dentadura – e vestir novas roupas, e ir novamente para o mundo que cheira a cigarro e não tem qualquer superfície limpa.
Novamente, como em outra vida, os dias todos são sem sonhos e iguais. Só que agora todos têm muitas palavras passeando no ar, calor e cheiro de cigarro.
Novamente, sem voz, esta senhora espera na janela por um cheiro novo e uma música conhecida que a retirem do lugar onde está.
E, novamente, ainda não viu nenhuma luz através da janela. Espera ter coragem suficiente para subir as escadas e quem sabe conhecer o vizinho de cima. Quem sabe viver com ele, como ele, cantar como ele. Quem sabe viver como ela.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Meu jeito torto de pavio
deixo vazar minha loucura em ti

Teu jeito morno de romance
deixa romper tua represa em mim

um prazer profano
no tremor de choro e riso
nos encontramos e perdemos

Nesse longo caminho que o erro calçou
nessa farsa verdade cortinas abriu
nesse mundo de intensos imensos
nos perdemos onde nos encontramos

O erro é o caminho a percorrer
o engano é a maior verdade
e o que é velado e imerso
é o que move o coração dos tortos

se não há, estaremos mortos
se não tremem as mãos,
já perdemos nossa razão.
Os negros olhos do abismo

caminho à margem do abismo
ora perto, ora distante
da queda

flutua diante dos olhos
o doce abismo
me convida a marejar seus vazios

e eu calculo bem se vale
se vale a queda, a dor
quanto vale o meu amor

eu meço os passos
olho o fundo negro de seus olhos
te digo adeus
e retrocedo

Resta do abismo o sonho
que durará alguns meses
que provará minha razão

e depois assa
deixa a lacuna no peito
de um pedaço que não estava pronto
pra ser carregado de mim.
Canto da sereia

o canto de uma sereia abriu
algumas portas no peito
adormecido do rapaz
que havia deixado de sonhar

a voz doce e juvenil
tingiu seus cabelos de branco
espantou os velhos fantasmas
da casa há muito abandonada

suas mãos gentis
soltaram os laços de chumbo
e abriram a velha e bela caixa
da essência antiga de flor

cantando a mais doce seresta
vestiu o gajo pra festa
e deu-lhe passos novos de samba
e depois evanesceu

Quando a janela abre, as pupilas contraem e ela fecha os olhos pra luz do dia. Minha mão direita é a que vai até um de seus olhos. Parece coisa de uma vida inteira, mas é só descoberta.
Quando a janela do dia abre, ainda estamos acordadas. Eu que nunca falo, me dei conta de que conversei sem cansar uma noite inteira, com alguém que acabo de conhecer. Eu que estava tão perdida, esqueci meu caminho e minha dor em uma noite, e me senti acompanhada. Bondade? O tempo anda correndo muito depressa, e muitas coisas cabem hoje em uma sacolinha pequena chamada semana.
Medo, sempre meu medo de descobrir as coisas, de ser feliz. Ela sente medo também. De me machucar, de me iludir. Quer me fazer bem, e anda fazendo. Quero também fazer  bem, e sei que temos pouco a oferecer, mas esse pouco pode bastar.
Quando ela fecha os olhos por causa da luz, eu não consigo parar e pensar quem sou eu, o que quero e o que farei. Nem o que sinto. Que bobo, na minha idade, parar sem pensar em nada e olhar uma pessoa, simplesmente, e isso te fazer um bem tão grande que dá vontade de sentir vontade de deixar de ter medo.
Pode acabar hoje, amanhã, e pode ter acabado ontem. Pode ter sido um travesseiro no qual eu me deitei e dormi tranquila depois de um pesadelo. Pode ser que eu acorde agora e comece a perceber o que me aguarda do outro lado da janela. E anda chovendo muito nas ruas por onde eu passo.

Uma semana, um dia, um mês. Alguns dias. É o tempo que leva pra descobrir. Descobertos novos sentidos, leva quanto tempo pra definir aonde eles levam? Leva quanto tempo pra descobrir porque as mãos ainda tremem, porque os lábios hesitam, porque a falta faz tanto sentido quando como era adolescente e esperava por um sinal de vida do outro lado da linha, do outro lado da cidade, egoistamente?
Três pontos e uma interrogação.
Há línguas que perdem a graça quando encontram tradução.