sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Meu jeito torto de pavio
deixo vazar minha loucura em ti

Teu jeito morno de romance
deixa romper tua represa em mim

um prazer profano
no tremor de choro e riso
nos encontramos e perdemos

Nesse longo caminho que o erro calçou
nessa farsa verdade cortinas abriu
nesse mundo de intensos imensos
nos perdemos onde nos encontramos

O erro é o caminho a percorrer
o engano é a maior verdade
e o que é velado e imerso
é o que move o coração dos tortos

se não há, estaremos mortos
se não tremem as mãos,
já perdemos nossa razão.
Os negros olhos do abismo

caminho à margem do abismo
ora perto, ora distante
da queda

flutua diante dos olhos
o doce abismo
me convida a marejar seus vazios

e eu calculo bem se vale
se vale a queda, a dor
quanto vale o meu amor

eu meço os passos
olho o fundo negro de seus olhos
te digo adeus
e retrocedo

Resta do abismo o sonho
que durará alguns meses
que provará minha razão

e depois assa
deixa a lacuna no peito
de um pedaço que não estava pronto
pra ser carregado de mim.
Canto da sereia

o canto de uma sereia abriu
algumas portas no peito
adormecido do rapaz
que havia deixado de sonhar

a voz doce e juvenil
tingiu seus cabelos de branco
espantou os velhos fantasmas
da casa há muito abandonada

suas mãos gentis
soltaram os laços de chumbo
e abriram a velha e bela caixa
da essência antiga de flor

cantando a mais doce seresta
vestiu o gajo pra festa
e deu-lhe passos novos de samba
e depois evanesceu

Quando a janela abre, as pupilas contraem e ela fecha os olhos pra luz do dia. Minha mão direita é a que vai até um de seus olhos. Parece coisa de uma vida inteira, mas é só descoberta.
Quando a janela do dia abre, ainda estamos acordadas. Eu que nunca falo, me dei conta de que conversei sem cansar uma noite inteira, com alguém que acabo de conhecer. Eu que estava tão perdida, esqueci meu caminho e minha dor em uma noite, e me senti acompanhada. Bondade? O tempo anda correndo muito depressa, e muitas coisas cabem hoje em uma sacolinha pequena chamada semana.
Medo, sempre meu medo de descobrir as coisas, de ser feliz. Ela sente medo também. De me machucar, de me iludir. Quer me fazer bem, e anda fazendo. Quero também fazer  bem, e sei que temos pouco a oferecer, mas esse pouco pode bastar.
Quando ela fecha os olhos por causa da luz, eu não consigo parar e pensar quem sou eu, o que quero e o que farei. Nem o que sinto. Que bobo, na minha idade, parar sem pensar em nada e olhar uma pessoa, simplesmente, e isso te fazer um bem tão grande que dá vontade de sentir vontade de deixar de ter medo.
Pode acabar hoje, amanhã, e pode ter acabado ontem. Pode ter sido um travesseiro no qual eu me deitei e dormi tranquila depois de um pesadelo. Pode ser que eu acorde agora e comece a perceber o que me aguarda do outro lado da janela. E anda chovendo muito nas ruas por onde eu passo.

Uma semana, um dia, um mês. Alguns dias. É o tempo que leva pra descobrir. Descobertos novos sentidos, leva quanto tempo pra definir aonde eles levam? Leva quanto tempo pra descobrir porque as mãos ainda tremem, porque os lábios hesitam, porque a falta faz tanto sentido quando como era adolescente e esperava por um sinal de vida do outro lado da linha, do outro lado da cidade, egoistamente?
Três pontos e uma interrogação.
Há línguas que perdem a graça quando encontram tradução.