Acorda no quarto, que tem o chão
no teto de tanta bagunça. A cabeça doendo e girando, cheia da noite passada e
de coisas que provavelmente só merecem ser lembradas para que sejam sorridas
com poucas pessoas. Tudo tem cheiro de cigarro, e a boca traz um gosto amargo
que provavelmente é o mesmo gosto que seu estômago vazio tem. Apesar de toda
essa desordem, todas as partes do corpo estão intocadas e escondidas embaixo do
lençol branco. E apesar de todas as risadas, todas as partes de dentro
encontram-se cinzas. E apesar de toda juventude que aparecia em seus cabelos
ruivos e lábios vermelhos, estava velha.
A velha levanta-se com esforço,
ouvindo o corpo inteiro ranger e reclamar a cada movimento, e conhecendo algum
lugar do espaço sideral através da grandíssima vertigem que acabara de
experimentar. Sem olhar para o espelho do banheiro, escova os dentes de olhos
fechados, lava o rosto em frangalhos, volta para a cama, de onde só irá sair de
novo quando anoitecer e for necessário retocar seu batom – dentadura – e vestir
novas roupas, e ir novamente para o mundo que cheira a cigarro e não tem
qualquer superfície limpa.
Novamente, como em outra vida, os
dias todos são sem sonhos e iguais. Só que agora todos têm muitas palavras
passeando no ar, calor e cheiro de cigarro.
Novamente, sem voz, esta senhora
espera na janela por um cheiro novo e uma música conhecida que a retirem do
lugar onde está.
E, novamente, ainda não viu
nenhuma luz através da janela. Espera ter coragem suficiente para subir as
escadas e quem sabe conhecer o vizinho de cima. Quem sabe viver com ele, como
ele, cantar como ele. Quem sabe viver como ela.
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