sexta-feira, 5 de abril de 2013

Use e saia pra agitar


Acorda no quarto, que tem o chão no teto de tanta bagunça. A cabeça doendo e girando, cheia da noite passada e de coisas que provavelmente só merecem ser lembradas para que sejam sorridas com poucas pessoas. Tudo tem cheiro de cigarro, e a boca traz um gosto amargo que provavelmente é o mesmo gosto que seu estômago vazio tem. Apesar de toda essa desordem, todas as partes do corpo estão intocadas e escondidas embaixo do lençol branco. E apesar de todas as risadas, todas as partes de dentro encontram-se cinzas. E apesar de toda juventude que aparecia em seus cabelos ruivos e lábios vermelhos, estava velha.
A velha levanta-se com esforço, ouvindo o corpo inteiro ranger e reclamar a cada movimento, e conhecendo algum lugar do espaço sideral através da grandíssima vertigem que acabara de experimentar. Sem olhar para o espelho do banheiro, escova os dentes de olhos fechados, lava o rosto em frangalhos, volta para a cama, de onde só irá sair de novo quando anoitecer e for necessário retocar seu batom – dentadura – e vestir novas roupas, e ir novamente para o mundo que cheira a cigarro e não tem qualquer superfície limpa.
Novamente, como em outra vida, os dias todos são sem sonhos e iguais. Só que agora todos têm muitas palavras passeando no ar, calor e cheiro de cigarro.
Novamente, sem voz, esta senhora espera na janela por um cheiro novo e uma música conhecida que a retirem do lugar onde está.
E, novamente, ainda não viu nenhuma luz através da janela. Espera ter coragem suficiente para subir as escadas e quem sabe conhecer o vizinho de cima. Quem sabe viver com ele, como ele, cantar como ele. Quem sabe viver como ela.

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